Quando a noite vem

Estava escuro, muito escuro para as horas marcadas no relógio. Ele já devia estar à caminho, ou então teria me telefonado para avisar sobre algum imprevisto que explicasse seu atraso.

Ele não me daria um bolo, isso não era atitude dele - talvez fosse, eu apenas o conhecia há algumas semanas.

Respirei fundo inalando toda a calma que pude; ele não me estressaria, não... Não! Não ia me esnobar daquele jeito.

Olhei sufocada novamente para o relógio - oito e meia. Que diabos ele fazia àquela hora? Por que tanta demora?

Ajeitei o vestido na cintura, arrumei a mecha de cabelo que pendia sobre minha face e procurei me ocupar, pensar em algo pra passar o tempo. Foi preciso fuçar meu aparelho telefônico umas vinte e cinco de vezes para me dar conta que estava exausta o bastante para esperar.

Cruzei o parque, procurando em meio aos arbusto seu carro conversível, mas não o encontrei. Por fim, pude ver uma sinueta aproximar-se pelo leste até encostar-se na árvore mais próxima.

Ele me olhava; olhava como se fosse me devorar, como um caçador olha sua presa antes de atacar.

E então disse:

- Como você está bonita, Gisele.

Era ele, seu tom tão sedutor - aquele que me espantava ao mesmo tempo; toda vez que o tinha por perto tinha a impressão que ele me mataria aos poucos, embora a sua distancia me fizesse mal.

Aproximei até a árvore, e então pude ver seus olhos castanhos-escuro me fitarem maravilhados. Reparei que ele havia cortado o cabelo, o que deixava sua estatura mais próxima da minha - quase do mesmo tamanho que eu; o que não fazia diferença, ele ainda era mais alto. Passei a mão por seu rosto, analisando cada detalhe, cada mudança do tempo em que estivemos distantes. Queria gravar seu rosto para que sempre que pudesse fechar os olhos ainda vê-lo.

- Senti sua falta - cuspi tais palavras com repulsa - Sua falta me mata aos poucos, Deric.

Ele sorriu convencido, amaciou o cabelo com as mãos e então me puxou para bem perto.

Avistei seu ombro largo a mostra sobre a camiseta soltinha em que ele vestia. Encostei minha cabeça ali, sentindo seu cheiro.

Uma coisa engraçada é que eu nunca poderia dizer o aroma de seu cheiro, e acho que nunca conseguirei descrevê-lo; só sei que aquele cheiro me atraía, e ninguém neste mundo teria o mesmo cheiro que ele tinha. Nem em nenhuma das perfumarias encontraria o cheiro dele, estava ali, apenas ali... nele.

Funguei o bastante para me embriagar com sua essência aromática. Sua mão pousou sobre minha nuca, a acariciando demoradamente, aquilo me dava sono; somente suas mãos me davam sono. Apoiada em seu ombro largo, sentindo todo aquele cheiro envolvente, me vi adormecer; quando acordei ele não estava mais ali, na verdade, eu não estava mais ali; estava em minha cama debruçada sobre a coberta e os travesseiros. E então sua partida me matava mais uma vez... Não importava o quanto eu tivesse que esperar ele se aproximar pelo bosque em silêncio, chegar de mansinho ou até me dar medo; valia a pena, porque ao seu lado passava segundos inesquecíveis, embora relembrados me trazia a dor da saudade, da impotência de não poder tê-lo novamente em minhas mãos.

O tempo vai levando com ele seu cheiro, mas você ainda está em mim, por toda parte.

Me inspirei: Deixo - Ivete

"E quando a noite vem
Fico louca pra dormir
Só pra ter você nos meus sonhos
Me falando coisas de amor"