sábado, 30 de janeiro de 2010

Minha lucidez

Eis que me dizem desde pequena que o tempo voava depois dos 15.
Agora me vejo em plenos 80, refletindo na vida em que deixei toda para trás.
Aproveitei, pulei, dancei. Curti, vivi, sorri. Pessoas conheci, outras já nem me lembro mais; algumas fiz questão, outras é apenas a memória varrida em que falha, e nem de um nome qualquer se recorda.
Amigos do colegial, vários encontrei esbarrando por ai. Um deles virou doutor, o outro decidiu ser jogador. Entre idas e vindas, vi rostos e sorrisos passarem por mim, deixando em cada página de minha curta vida sua marca.
O cheiro do velho jardim, ah... não me lembro mais. Mas ainda consigo sentir a mesma sensação em que um dia eu senti quando estive ali; era tão doce, me enxia por completo. O tempo então levou as flores, a grama, levou-me o teto.
Minha casa, nem me lembro mais aonde está. Tão velha e surda caminho procurando encontrar, algum detalhe que esqueci entre um ano ou outro, entre uma vida após outra.
Quero recordar-me pois de tudo.
Filhos crescidos, vejo cada um tomando sua vida, esquecendo de onde surgiram. Minha menina virou bailarina. Ó a mais linda das bailarinas! Tão delicada como uma rosa, e tão doce quanto o mel, baila, baila, baila, desfilando pelos palcos. Tão grandinha, lembro-me dela pequena, tão meiga pediu ao pai para que fizesse classes de Ballet.
Ó, meu marido. Quando se chega a esta certa idade, é complicado deparar-se com algo tão bom restante. O tempo o levou, assim como as flores que um dia murcharam. Mas tão belo ainda permaneceste em meus sonhos. Meu companheiro ardente de todas as horas.
Não mais o vejo por ai, nem mais escuto suas suplicas. Não o escuto mais xingar a pobre raposa que em nosso quintal vinha roubar galinhas. Não consigo mais ver tudo aquilo que via.
A vida me levou tudo, mas a verdade é que a grande felicidade é apenas saber que um dia você as conquistou.
Levou minha beleza, junto a minha lucidez. Meus filhos cresceram, e fugiram de mim outra vez. Meu marido, ó amado, foi fazer companhia à morte. Mas apesar de tudo, sei que entre mil e outras vidas, tudo que Deus me deu não foi por mera sorte.
Batalhei para ter tudo o que tinha, ou ainda o que me resta. Foi-se o concreto, a porta, os beijos. Ficaram os anéis, o chão e o vento.
Mas a certeza de ter vivido tudo aquilo na lembrança.
Peço a Deus que não me leve enquanto houver ainda minha lucidez.
Não quero viver sem recordar da minha vida tão doce e vivida. Dos meus amores, sorrisos, momentos, decepções, diversões.
Pois não me leve agora, ó Deus. Deixe comigo tudo o que ainda tenho. A minha lucidez.


Deste jardim já vi flores murchando, outras nascendo, borboletas passeando, abelhas também. A vida é assim.
Sei que um dia, talvez, não haverá mais jardim, mas dele o que basta é levar consigo o aroma e a simples sensação de ter estado ali.



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Bom, era um texto pro Blogueando, mas eu fugi do tema central da pauta agradando à mim, que adorei ter escrito este texto. Talvez eu ainda o mande, mas sei que não estarei, talvez, concorrendo. Mas é isso ai.
Espero que gostem.


Meu beijo.
Fiquem com Deus.

12 comentários:

  1. Sabe, eu tenho medo de envelhecer; mas não por ficar velha, e sim por não realizar tudo o que eu quero enquanto eu estava jovem, entende?
    É... acho que preciso viver mais, pra num futuro eu não venha me arrepender de não ter vivido tudo o que eu sonhava, ou parte do que eu sonhava viver.

    Ah, eu gostei do seu texto!
    E no fim, nós temos que nos sentir bem com o que escrevemos, mesmo que fujamos um pouco do tema pedido.

    Beijo.

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  2. Foi um dos melhores textos que vi aqui...
    Não sei o que penso sobre a velhice...mas sei que a mulher do texto foi feliz...

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  3. Ficou ótimo o texto...muito bom.


    te desejo um ótimo final de semana.

    abraços


    Hugo

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  4. Nossa, que triste.
    Deve ser mágoa olhar para trás e ver o que passou e não foi aproveitado.

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  5. hum... quando chegar na minha velhice [daqui a pouco anos] não prenderei meu raciocínio em memórias, farei exatamente como tenho feito, viverei exatamente como tenho vivido. Em nada haverá mudança... terei objetivos, mesmo a médio e longo prazo... me recuso, definitivamente, a morrer com todos meus objetivos alcançados, pois se tem uma coisa que tenho aprendido é que sempre podemos fazer mais, e ir um pouco mais distante.

    é o que eu penso.

    hehehe... muito legal o texto, nem preciso dizer que entrei nele... xD

    :P

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  6. aain, adoorei o texto! *-*
    passa la no meu blog? *-*
    http://veryeverygirl.blogspot.com/

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  7. lindo!
    bem nostálgico o texto, e a rima tráz uma beleza diferente ao conto..

    parabéns ;D

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  8. Adorei o texto!
    Eu tenho isso de olhar pra trás, lembrar o que fiz e o que poderia ter feito... mas de boa? É melhor viver o presente :D

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  9. Acho que não quero envelhecer... rsrsrs
    Tenho tantos sonhos e objetivos que ainda quero realizar...
    Não sei se me sentiria feliz vendo que fiquei velha e não os realizei...
    Amei teu texto...
    Simples e profundo!!!

    Bjs

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  10. Garota daqui a 5 anos vou ouvir falar de você, alguma noticia sobre a revelação da poesia.

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  11. Quando eu chegar lá quero ser como a Lya Luft e lembrar-me "do passado, não com melancolia ou saudade, mas com a sabedoria da maturidade que me faz projetar no presente aquilo que, sendo belo, não se perdeu".Parabéns pelo texto!

    bjo querida.

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  12. Eu não quero envelhecer D: comofas.
    Mas isso é inevitável, entao espero ter uma boa vida e muitas lembraças para recordar quando a idade chegar...
    Beijos e ótimo post!

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