quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A bonequinha

Era uma quarta-feira, uma daquelas manhãs em que a chuva forte bate na janela. Não estava sol, o que fora um milagre; fazia-se tempos em que não chovia forte como naquele dia. Esperavam até que a seca invadisse a cidade e matasse as plantações dos pobres agricultores que davam duro nelas.
- Mãe, não vai parar de chover? Eu quero ir com a Doris lá fora para brincar um pouco - dizia a garota a apontar para a pequena boneca de pano que carregava no colo.
- Não sei querida, só quem sabe é Deus. Afinal, brincar lá fora a essa hora é perigoso, ainda está cedo demais. Tome seu café.
A garota sentou-se a mesa, deixando sem querer a boneca, em que trazia entre os braços, cair no chão. E debruçando-se em seus próprios braços, fitou mais uma vez o jardim a fora.
- Mamãe...
- O que foi querida? - perguntou a mãe que estava virada para a pia lavando a lousa.
- Se chover assim eu nunca mais vou poder brincar lá fora, nem ver mais os meus amiguinhos.
- Amor, mas você pode vê-los na escola, não?
- Sim, eu posso mamãe. Mas e se chover para sempre?
- Não se pode chover pra sempre. Mas se isso acontecer, eles podem vir aqui em casa pra brincar com você.
- Não mamãe. Eles não virão sempre. A senhora mesma diz que nós vamos crescer. E eu também sei que podemos mudar de escola, cidade e talvez nunca mais nos ver.
A mãe ficou a pensar e se calou.
- ... e então o que será de mim sem meus amigos? - choramingou a pobre garota a fitar a janela.
- Ah meu amor, - disse a mãe virando-se para a filha sentada a mesa - você tem a Doris, ela sempre será a sua amiguinha. - e apontando para a boneca jogada no chão, concluiu - .. Mesmo você às vezes sendo meio que indelicada com ela, ela sempre será a sua amiguinha.
- Esse é o problema mamãe. Eu não tenho que cativá-la, ela está comigo porque não pensa, muito menos faz escolhas. E quando eu precisar de conselhos? Ela nunca me dará conselhos, ela nem sequer fala. Ela não possuí outros amiguinhos, ela só tem a mim.
- Então cuide dela meu amor, ela só tem a você.
A garota olhou a boneca com desgosto e pôde imaginar uns anos mais tarde, quando ela estivesse mais velha. Provavelmente agachada na varanda com seu vestido de rendinha brincando de boneca. Como ela adorava brincar de boneca. Contudo, a garota acreditava que Doris só tinha a ela, por isso ela devia cuidar muito bem da bonequinha de pano, mesmo preferindo amiguinhos de verdade, que falam e pensam.
No Natal do mesmo ano, a garotinha imaginou-se ganhando uma bela bonequinha que andava. Então, toda sorridente passava as horas do dia a brincar com a bonequinha nova e sem perceber acabou abandonando Doris no fundo de seu baú.
A pobre bonequinha que só tinha à ela, agora não tinha mais ninguém.
Ao lembrar-se que muito sonhava, desmanchando-se na realidade, pôde notar que uma lágrima de seus olhos ousara em cair.
Tristonha, e consentida com o que fizera em sonhos com a pobre bonequinha; foi até o chão aonde estava Doris, e tomou a própria em seus braços, deixando a cozinha para ir ao quarto brincar. Ela ainda tinha tempo. Ela ainda era criança.
Sabia que um dia cresceria, se tornaria mulher, mas Doris nunca pararia no fundo de um baú, isso ela mesma prometera-se. Doris iria pra sempre brincar. Brincar com suas filhas, seus netos, bisnetos. Porque boneca não morre. Boneca é boneca.

Texto antigo, um dos primeiros postados neste blog.
Apenas com conteúdo e a linguagem modificados.

3 comentários:

  1. Menina, que coisa MAIS LINDA!
    Sem palavras, de fato nunca devemos abandonar quem tem apenas a nós!

    Beeijos!

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  2. Ah, adorei o texto! Tão bem escrito e com uma mensagem tão legal! Parabéns!

    Passei aqui porque vi teu comentário sobre o meu poema com a Ferro no blog dela, dizer que fiquei feliz que tu tenha gostado, passagem rápida, mas acabas de conquistar uma nova seguidora...


    Beijoo

    Até mais

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  3. Parabens gabi, tá muito bomm e a mensagem tá muito boa!! Parabens =)

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