sexta-feira, 17 de setembro de 2010

...

Eu descia as escadas. Pisava levemente em cada degrau. Minhas mechas caiam sobre o meu rosto. Fiz menção para afastar algumas.
Lá em baixo, a sala sombria. Um quadro pendurado logo acima da lareira. Um sofá de couro aonde tu contava-me histórias. No chão, um tapete de carmuça.
Na mesma sala aonde um dia você esteve, estava agora novamente.
Enxuguei meu rosto, notei que chorava.
Saudade talvez.
Você estava a espreita da porta de entrada. Não pude conter meu peito.
Tua mão erguida me convidou para juntar-me a ti. Me olhava descer os degraus com ar de mistério. Meu último passo e estava em tua frente. Os olhos nos olhos. A boca longínqua.
Silêncio.
Notei que ninguém falava.
Nem mesmo os pássaros lá fora cantavam.
A porta se abriu. Talvez você a abriu, não recordo. Sozinha talvez.
Ainda com a mão ereta, ousei em pousar a minha.
Levou-me para a varanda.
Descemos dois degraus já velhos.
A varanda que um dia brinquei. Da varanda pude ver o balance a balançar com o vento.
E meus cachos louros pequeninhos balançavam também. No jardim, acima de nós, as folhas caíam. Era outono, pai. As folhas caem, lembra? Assim o Senhor me ensinou.
Sorri contente.
Minha mão na tua.
Me levando para aonde quer que fosse...
Tua face tão sem expressão, rude. Meu vestido esbranquiçado... Ou eram meus cabelos? Fitei meus sapatos, não os possuía. Meus pés descalços...
Os teus também estavam.
Descalços.
Pra onde íamos?
Papai, aonde vamos? Diga-me.
Silêncio.
Caminhávamos pela rua deserta. Alguns carros estacionados. Janelas fechadas. Nenhum carteiro. Nenhum estudante, criança a brincar. Ninguém. Apenas nós.
Pai, aonde vamos?
Nada.
Continuei então a caminhar. Aonde quer que ele fosse eu iria...


Não sei explicar. Talvez você, leitor, não tenha a mesma sensação que eu, mas quando ouvi esta música quis chorar.
Quero que a ponha em meu funeral, quem sabe?
Brincadeira.
Mas a achei tão linda.
Me deu inspiração de criar então um texto confuso, em que o pai vai buscar a filha que agora morre. O pai já morto, buscando sua filha tão amada...
Talvez você tenha uma visão diferente do texto. Escute a música ao ler a história, acho que fica mais legal.
Não sei por Música no Blog, então escute a música pelo youtube. Dax Johnson - Rain

4 comentários:

  1. Belíssimo texto!
    A música, sem dúvida, nos faz lembrar uma cena triste que também pode ser vista de um ângulo alegre, tal qual a descrita no teu texto...

    Gostei, mesmo! Lindo!

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  2. Fiquei sem respirar enquanto lia. Muito bem escrito. Era como se a história fosse minha, eu como protagonista. Lindo lindo, Gabi.
    Sem palavras. rs

    Um beijo.

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  3. Eu ameeeeei o texto *O*
    Sabe, acho tão lindo essa coisa do pai vir buscar a filha na Terra para passar o resto de sua vida ao lado de quem ama.Simplesmente lindo :)


    Beeijão!

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  4. A música é realmente linda e eu já conhecia. Também tenho essa sensação de aperto no peito quando a escuto :S
    O texto está meio fúnebre e eu já estou de TPM, mas está lindo. Como sempre, aliás. Você escreve bem, moça. Até esses semi-contos fictícios.

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