domingo, 21 de julho de 2013

Madrugada

Ela estava inclinada na pia do banheiro a enxaguar o rosto violentamente, como numa espécie de tentativa de livrar-se do que fora. Retirava a maquiagem da noite anterior. Eram quatro horas da manhã. Abandonava o velho rosto de Juliana. Ela não era mais Juliana. Agora podia assumir-se verdadeiramente ali, nua de qualquer máscara, despida de si. Mas já não sabia quem era, quem fora. Talvez houvesse tomado para si todo aquele teatro de fingir quem se é. Trocar de nomes não fora uma boa ideia, pensou consigo, mas era tarde.
As mãos em concha levava o rosto, estas, agora, o acariciavam, como se pedissem desculpas à ele, ele não tinha culpa, a ideia era sua.
Estava confusa...
Entre o ritual constante, parava e olhava-se no espelho, ainda com a água a jorrar na pia... olhava para a água... tão límpida e verdadeira, isenta de qualquer mentira. Ela era ela mesma. E assim queria sê-la...
No reflexo do espelho encontrava-se um rosto apático, de alguém incapaz de sorrir. Pés-de-galinha ao canto dos olhos, o borrão insistente do lápis de olho. Até quando iria brincar de ser outro alguém? Estava velha demais para tais coisas, encarou tristemente o reflexo. Mas este encarava-a também, com a expressão de deboche, como se a desafiasse para outra noitada.
A vista estava cansada... de alguém que fingira dormir.
Queria voltar a ser ela mesma. A noite terminara... o rosto estava limpo. Mas o coração estava repleto de más lembranças.
Trocar de nome não fora uma boa ideia.
Trocar de nome não fora suficiente.
A culpa estava ali...
A gente, às vezes, não consegue ser outro alguém.
E o marido estava na cama. Sonhando talvez com aquela Beatriz, aquela que ela também não queria ser.

[Gabriela Marques]
21/07/2013

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