quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Confusa demais para um título

Não havia metas, pensou enquanto enrolava ao dedão um pedaço de pano que arrancara da toalha de mesa velha. Esperava que vovó a perdoa-se por isso. Metas?!
- É! É ano novo, a gente faz planos, disse uma voz ao fundo. Não pôde identificar bem quem se referia a ela. Havia muito barulho.
Permaneceu entretida com o amarrar do pano entre os dedos. Amarrava, retirava-o, retorcia-o ainda mais, o transformando em um cordão. Pensou então nas fitinhas que uma vez já atara ao pulso, fazendo três pedidos, às vezes quatro, cinco. Tentou recordar-se se estes haviam sido atendidos, realizados. Lembrou das rosas que jogou no mar, das ondas que pulou. Havia nostalgia naquilo tudo.
Os pedidos de ontem, não são mais os de hoje, constatou. Queria agora outras coisas. Tinha outros desejos, outros sonhos talvez. Pra que planos afinal? A vida os vai construindo com o passar do tempo, não é necessário ter à mão uma lista de metas em pleno ano novo, quis responder a quem a indagara. Deixe que estes se moldem, apareçam, se façam necessários. Porque cá entre nós, a gente nem tem tempo de pensar bem na vida durante as festas de fim de ano. Não há tempo de pensar na vida, apenas. Não há silêncio. Existe somente falatório, rojões, fogos de artifício, fotos, toda essa necessidade de uma nostalgia futura.
Volto a insistir que vivemos o hoje para choramingarmos amanhã. As fotos, os momentos supérfluos. Talvez o dia de hoje, visto nas fotos tiradas, soem mais felizes do que realmente este se parece agora. Fazendo-me mais feliz de ter vestido este vestido, usado esta sandália, ter optado pelo cabelo longo ao invés do curto usual. Havendo o desejo de que toda esperança que hoje tenho, toda fé que tenho em meus sonhos, perdure todo o ano que se segue. O tempo não para, lembrou de Lenini. A vida é tão rara. Afinal, não há tempo para fazer planos, metas. Se der mole, a vida nos atropela.
Por isso, este ano eu tenho pressa, e quero sempre ter essa pressa de hoje: a pressa de ser feliz. Mas há tanta música, gente berrando pra ser ouvida, familiares que aparecem e desaparecem sem serem notados. A vida parece mais gostosa nos meus planos, parece mais colorida nas fotos... menos complicada, menos real, mais feliz. Perguntou-se então onde estava a real felicidade e se alguma vez esta existira.
Entendeu, portanto, que a real felicidade não poderia existir, porque tudo que é real é rude, é bruto, é vida. E a doçura que acreditava ser a tal felicidade, não poderia sequer fazer-se presente na secura cotidiana. A vida é rude, é seca. A vida é ela por ela mesma. Sem fantasias.
A felicidade tem que ser menos doce. Ser mais real, menos fantástica.
Dessa forma criava-se uma meta, e ela, pobre e ingenua sequer a notava: a meta de ser realista.
E realistas sabem que metas frustam quando não concretizadas. É preciso manter-se vivo, agradecendo a Deus por tudo. Apenas.
Não proferira palavra alguma. A confusão estava presente todo aquele tempo em sua cabeça. Nunca existira uma voz ao fundo, nunca existira familiares presentes. O barulho dos escapamentos furados, dos rojões e falatórios, estavam ali também: em sua cachola. A mente estava conturbada. Tão conturbada quanto sua vida. Era apenas uma garota sozinha sentada a mesa, a enrolar nos dedos pedaços de uma toalha rasgada. Conversava consigo mesma e com suas fantasias. Não havia ninguém mais ali. Já era janeiro do ano que se aguardava. O tempo não para para divagações.

2 comentários:

  1. Há tempos já não faço mais planos de fim de ano, é mais fácil deixar que eles se moldem e se concretizem durante os dias.

    Beijos

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  2. Escreves muito bom, e a vida é assim mesmo. Rápido, sem meios termos. É ou não é.

    Beijos e ótimo final de semana

    http://mylife-rapha.blogspot.com

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