sexta-feira, 22 de julho de 2011

Me dê um minuto para lhe contar tudo



₪⌂₪

III

Algumas pessoas seguem a profissão dos pais, outras arriscam nos seus sonhos, já outras não têm opção e acabam aceitando qualquer oferta para poder se virar. Assim acontecia comigo, e talvez com mamãe, e por este mesmo motivo, cada ano que passava mais me convencia que quanto mais eu desse duro no trabalho, poderia ter minha própria vida; e quem sabe me dar bem no futuro, terminando meus estudos e conseguindo emprego melhor.
Havia feito amizade com o pessoal do restaurante, e como já disse, as gorjetas, estas ajudavam bastante; apenas mais alguns meses e teria o dinheiro necessário para partir e seguir sozinha em busca da tal felicidade que nunca conheci. Mas quando pensava em fugir, me vinha à cabeça Julie - que culpa teria ela de ter nascido naquela família? Se é que se poderia chamar de família - e algumas vezes também lembrava de mamãe, que apesar de ter dela mágoa, por ela habitava em meu peito um sentimento estranho, uma mistura de desdém com pena.
O que entristecia-me eram as noites em que mamãe não voltava, já havia perdido a conta de quantas vezes fui ao bar buscá-la. Meu peito apertava vendo-a ali no balcão, rodeada de milhares de garrafas de tudo que se podia imaginar; o olhar do dono do bar, devia se lamentar por mim por ter aquela como mãe. Era tão frequente suas idas ao bar, que o dono acabou gravando meu número de telefone e ligava para buscá-la enquanto o bar ia fechando.
Diversas vezes a encontrei na calçada, ainda agarrada a uma garrafa, e os pés por vezes descalços. Deixava Julie em casa dormindo, não queria que ela visse a mãe naquele estado, mesmo porque ela tinha de acordar cedo no dia seguinte e não podia atrasar-se para entrar na escola. Julie estava na terceira série, e ao contrário do que um dia eu fui, ela sempre se deu bem com todos, fazia amizades depressa, além de ser uma ótima aluna. Sei disso, porque para variar, as reuniões escolares também era eu quem comparecia.
Mamãe chegava em casa, apoiada em meus ombros e despencava no sofá, pegávamos apenas um ônibus para chegar em casa, mas um já era torturante. Os olhares que vinham em nossa direção... Alguns olhavam com pena, outros com nojo. E eu sabia que isso era devido ao tamanho das saias que mamãe usava, suas roupas escandalosas e os pés sempre descalços, com o calçado que carregado às mãos que variava dos saltos a bebida que a acompanhava em todo lugar. Seu jeito de sentar, e como olhava para as outras pessoas, esboçando seu sorriso irônico, como se fosse melhor que elas.
Apertava o peito, sentia vergonha de ter de apresentá-la às pessoas de quem gostava. E assim também aconteceu quando tive meu primeiro namorado aos 18 anos, este durou poucos meses, até conhecê-la e passar a criticar-me acreditando que toda filha segue os passos da mãe.
Pra mim bastou ali. Foi então que cresceu o desejo de juntar uma quantia bem gorda e viver por mim mesma, mentir que não tenho raízes, história, esquecer-me de tudo e recomeçar.

9 comentários:

  1. Sempre li os seus contos. Mas esse foi o único que não acompanhei. Uma pena, porque perdi uma belíssima leitura. Sua narrativa me faz parecer que sou eu que vivo a história, com tamanha descrição. E me encantei pela história da garota sem nome. Sei o quanto é difícil manter um conto. Por isso peço-te que, assim que postar o próximo capítulo do mesmo, me avise. Terei o imenso prazer de ler e me admirar.

    Um beijo, minha querida.
    E bom final de semana.

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  2. Quantos e quantos jovens não devem passar por situação semelhante? Pais egoístas e doentes capazes de estragar toda uma geração. Seja por bebida, por trabalho demais, por irresponsabilidade, o problema é sempre o mesmo: egoísmo. O máximo que podemos fazer é desejar que esses jovens sejam fortes para seguir um caminho diferente.

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  3. Acredito que cada um tem que lutar pelo que sonha e deseja, independente dos outros.

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  4. POr isso não julgo as pessoas que ignoram suas raízes, até em algumas vezes o proprio pai ou mãe. Cada um tem seus motivos.

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  5. Aí está o problema, Cássia, sou uma destruidora de contos quando os forço, às vezes me lembro que os escrevi e acrescento mais alguma coisa, mas parei de forçá-los, cansei de estragar bons contos pela pressa. Quando a personagem quiser me segredar a quarta parte, venho e conto a você.

    Um beijo doce.
    Fico te devendo essa.

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  6. Somos feitos de necrópole
    e maternidade:
    todo dia nasce
    e morre algo em nós.
    Ivan Santtana

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  7. Amei o blog, simplesmente sensacional *-*
    Acho que os sonhos vem sempre em primeiro lugar!
    Gostaria de saber se vai haver uma quarta parte...
    Continue assim, visitarei sempre.
    Uma boa semana, te sigo.
    Kisses&Kisses
    Be Fontana*

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  8. Olá sou Magno Oliveira responsável pelo Blog Folhetim Cultural, convido lhe hoje a conhecer o nosso blog, que tem além de notícias, tem também atrações culturais. Como poesia, contos, crônicas e muito mais...
    Conto com sua visita no nosso espaço.

    Blog: informativofolhetimcultural.blogpost.com
    E-mail: folhetimcultural@hotmail.com
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