quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Intercepção

E eu que a vi falando abertamente. Falando abertamente. E quem diria... Quem diria que aquela garotinha, simples como era, falava tão bem. Expressava-se tão bem.
Os olhinhos passeavam a cada parada que a condução fazia. Passageiros subiam, passageiros desciam. E seu encanto percorria as mochilas, os rostos cansados, a paisagem lá fora e a outra imensidão de pessoas, que a cada ponto que chegava, pela janela ela os observava hipnotizada, distraída em seu mundo, fitando aquelas pessoas que esperavam exaustas o ônibus chegar.
A vida é um rio - outro dia ela me disse - diversos rios que desaguam no mesmo mar. Ou então, - ela completava antes mesmo que eu reivindicasse algum argumento válido. Essa mania que ela tinha de entre-corta-se, remendar-se e corrigir, aperfeiçoar o que já havia dito. - Ou então - repetiu, forçando os olhinhos tão miudinhos para, quem sabe, enxergar mais além do que a própria visão - Ou quem sabe a vida seja mesmo um rio. E cada um de nós sejamos um. Meu rio passa coladinho ao teu agora, estamos quase dividindo a mesma margem; eu, você e esse bucado de gente que já passou por nós hoje. E depois, vamos para casa. Cada um para a sua. Continuamos nosso percurso, aguentando e prevalecendo à correnteza. Sou um rio, seguimos lado a lado, mas nunca no mesmo fluxo. Por isso, é aceitável que as pessoas tenham ideias diferentes. É aceitável. Não somos um mesmo rio. Ademais, o mundo é redondo - disse ela levantando-se ao meu lado - as opiniões sendo ou não distintas, - agarrou sua pilha de livros e a mochila pesada - o mundo gira; impossível que estas não se interceptem mais adiante.
E puxou o sinal de parada.
Como meu coração apertou-se! Sentiria falta daquela garotinha. Tão sabida, tão cheia de si. E assim ela se foi, numa puxada de cordinha. Desceu, sorriu, mas antes que me desse ao menos tempo para uma despedida, ela ousou em atropelar-me e proferir as palavras das quais nunca me esqueço, ela disse tranquilamente, quase que para consolar-me: Esquenta não, Gabi, nosso rio se encontra por aí.
E quem diria que aquela garotinha falava tão bem...

9/11/11
Gabriela Marques

13 comentários:

  1. Enquanto lia,me senti como que: "meio"observando essa conversa, sentado no outro lado do ônibus.
    Gostei do teu poema e muito desse texto que tem a sua particularidade poética.

    Valeu Gabriela!

    Saudações

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  2. Magnífico o texto, muito lindo. Fictício?
    sendo ou não..sábia essa menina, faz a gente refletir.
    Parabéns Gabi.

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  3. Oi Gabi! Quem sabe essa mesma cordinha um dia não nos encontre? hehe Adorei o modo como concluiu o texto (o todo também, mas o término, realmente emociona) " Esquenta não, Gabi, nosso rio se encontra por aí"
    Faço Letras na UEM - Universidade Estadual de Maringá, acho que já ouviu falar, certo? Pretende prestar para qual Universidade?

    Um bom restinho de semana, beijos do e no coração!

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  4. Ah, e aliás, estou lendo um livro no qual vale a pena indicar para você...O lobo da estepe, Hermann Hesse! Quando puder, leia-o se tiver interesse!

    Beijo Gabi!

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  5. E ela disse isso assim, com essa segurança?

    Que encantadora!

    =D

    Gostei tanto de ler!

    Um beijo, flor.

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  6. puntoziro
    Agradecida e contentíssima por ter passado esta sensação a você.
    É engraçado, né? - agora puxo uma prosa - estar na mesma condução que milhares de outras pessoas, e elas passarem despercebidas pela gente, sendo que têm tanto a dizer, a contar. Imagine só quanta história, quanta sabedoria que os vovôs não têm, hein?

    Perdoe minha tagarelice. Não me contenho dentro de mim.

    --------------------------------

    Jéssica, este conto é fictício. A maioria de meus contos são. Mas este tem algo em especial. Estávamos eu e minha amiga, que toma o ônibus todas as manhãs comigo, e falávamos sobre haver ou não uma verdade universal; porque todos nós somos sisudos demais para dar o braço a torcer por uma opinião totalmente distorcida da nossa.
    Acabei chegando em casa com todas teorias possíveis na cabeça e desabafei aqui, como desabafo agora novamente neste meu cantinho que eu gosto por demais.
    Fico contente de ver você por aqui.
    É muito bem-vinda, assim como o puntoziro.


    Beijo doce.

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  7. Gabriela, um excelente texto, um personagem sábia essa menina. Uma joia de leitura seu blog. Valeu!

    Bj

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  8. Tô querendo uma garotinha dessas ein...

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  9. Olá! Tudo bem?
    "Cá" estou novamente.
    Houve uma época em minha vida que vivia dentro de ônibus... assim como muitos de nós. Foi inevitável ler mais este texto (maravilhoso) e me lembrar do "mar de gente" que margeou minha existência.
    Por vezes, estava alheio ao mundo e olhava as paisagens pela janela do coletivo. Li placas e outdoors ou, simplesmente, pensava na vida com meus afazeres.
    Por outras ainda, tive minhas divagações "invadidas" por conversas alheias. Histórias das mais váriadas fontes e sentidos... creio que seja por essas que é fácil compararmos nossas trilhas de vida com rios.
    Assim como você, já tive cias. de viagem onde, os cursos de "nossos rios particulares", estavam convergindo justamente naqueles momentos, aqueles 40 minutos dentro do "busão" (as vezes mais, quando tinha engarrafamentos) que sempre reservavam surpresas.
    Por fim...
    Já ouvi algumas vezes que sabemos quando algo é bom, quando nos prende, nos fazem esquecer do "mundo aqui fora" e por nos ligar emocionalmente àquilo. Seu talento com as palavras tem esse poder, Gabi... PARABÉNS!
    Beijos e até mais!

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  10. A tua sensibilidade me encantou, sabia menina?
    Existem mesmo pessoas assim, que por serem tão leves, tão livres de vida nos encantam nas sutilezas. Assim como a tal garotinha, e você, é claro.

    Até mais, num encontro casual em um desses sete mares. Um beijo, flor.

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  11. Saudades de passar por aqui e ler seus adocicados textos!!!
    Como sempre lindo!!!
    Amei!!!

    Bjs

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  12. Meniiiina, tu escreves muito bem viu? Adorei o texto,adorei o blog, aliás adorei tudo por aqui, que além de lindinho é muito interessante.

    Gaby agradeço sua visita em meu blog,tuas palavras me serviram de grande reflexão. Inclusive fui dar uma olhadinha no trecho que tu me sugeristes, da Disciplina do Amor da Lygia Telles, e ameei essa parte: "Simplesmente renunciar com o coração limpo de mágoa ou rancor."

    É muito difícil, mas é sempre bom tentar.Até porque mágoa nunca levou ninguém a lugar nenhum,né?

    Beijoos queriida. Seguuindo já. ;**

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