quinta-feira, 7 de maio de 2015

Sacada

Numa tarde qualquer e fria de São Paulo, em uma sala escura, sentada próxima a sacada, carregava, no olhar perdido à janela, o peso do mundo.
Agoniada, olhava os outros (feito formigas) andando apressados rumo a sabe-se-lá-o-que. Apressados. Talvez fugissem da chuva. Iria chover, previu. O céu carregado de nuvens escuras. Aqui só chove.
Cansada demais, com o fadiga de não-se-fazer-nada, pousou o olhar na mão direita, observou e se deu conta de que fazia muito tempo que não limpava as unhas. Tinha preguiça.
No jardim da sacada, nenhuma flor.
O céu cinzento, a tarde fria, a chaleira no fogão, o olhar perdido nas unhas. Os dedos finos, de moça, lembrou-se, carregaram já, nesta vida, alguns pesados anéis.
Lembrou-se dos anéis. Lembrou-se dos rapazes, do anel de formatura, dos anéis de compromisso que foram parar na gaveta da cômoda. O tempo passa depressa.
As pessoas passam depressa pela rua. Da sacada, a avenida é singular. Apressadas. As pessoas têm pressa. A vida tem pressa. Que preguiça de acompanhar.
Na tarde fria de São Paulo, a moça de dedos finos e olhar perdido na vida, resolveu tirar o peso do mundo das costas. E resolveu que não queria mais carregar a vida. Que carreguem-me, disse. Carregaram-na, então, na amanhã de uma quarta-feira qualquer, rodeada de flores, sem anéis. Recebeu algumas coroas de amigos. Velhos amigos. Ficou tão bela. Acabou indo morar à sete palmos daqui. Talvez, lá de cima, de onde se jogou naquela tarde fria, a vista seja melhor, a vida seja mais leve.
Mas agora, tenho que ir. A vida não espera. E a gente passa tão depressa.

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